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Foto do escritorJoão Pedro Accinelli

Crítica | Alien: Romulus (2024)


 CRÍTICA SEM SPOILERS

Após quatro décadas e meia desde que o clássico "Alien, O Oitavo Passageiro" (1979), de Ridley Scott, rompeu barreiras e pavimentou o caminho do horror na ficção científica, somos finalmente presenteados com uma continuação direta que faz questão de trazer frescor à esta série de filmes tão amada, porém tão fragilizada nos anos mais recentes. Após dirigir os dois últimos longas da franquia (os únicos deste século), Scott ainda assina a produção, mas enfim cede a direção de Alien: Romulus para o inventivo uruguaio Fede Alvarez, que aqui também é co-roteirista da obra, como de costume ao lado de seu conterrâneo Rodo Sayagues.


Estamos em 2142, 20 anos desde a desastrosa expedição da nave Nostromo. Ambientada entre os acontecimentos do primeiro e do segundo filme da franquia, a história nos apresenta à colônia Jackson's Star, onde uma órfã chamada Rain Carradine (Cailee Spaeny) trabalha com seu irmão adotivo Andy (David Jonsson), que na verdade é um sintético (androide). Logo depois de descobrir que seu contrato foi estendido à força pela companhia Weyland-Yutani, ela decide se juntar ao seu ex-namorado Tyler (Archie Renaux) e sua pequena equipe em uma missão clandestina e arriscada para investigar uma nave espacial abandonada, no intuito de recuperar câmaras de criostase e fugirem do sistema de trabalho opressor e desumano o qual estão submissos, para finalmente viverem sua liberdade no planeta mais próximo, chamado Yvaga. Porém, o que eles não imaginam é que lá eles descobrirão uma forma de vida aterrorizante e sedenta, determinada a matá-los.

De cara, o diretor mostra a que veio ao nos ambientar perfeitamente à colônia em que Rain, Andy, Tyler e os demais personagens vivem. Com ajuda do ótimo de design de produção, Alvarez nos coloca diante de um mundo repleto das tecnologias mais inimagináveis de um futuro não tão distante. O que se destaca aqui é o trabalho árduo e escravista, além da ausência do contato com o sol, algumas das razões pelas quais todos levam uma vida angustiante. Todo esse cenário é muito bem transmitido ao espectador mesmo que em poucos minutos, sem se alongar muito para que possamos logo embarcar na temível aventura proposta pela narrativa.

Fede Alvarez já nos provou em outras oportunidades o seu exímio talento em criar tensão e medo, além de construir sabiamente o suspense, sem pressa de entregar o clímax de suas cenas. Ótimos exemplos são seus aclamados longas "A Morte do Demônio" (2013) e "O Homem nas Trevas" (2016), e principalmente aquela que considero sua maior obra, a ousada e revolucionária série "Calls" (2021), original da Apple TV+. Desenvolvendo seus personagens de maneira crível e multidimensional, enquanto tece enredos inteligentes, o diretor demonstra que conhece muito bem os meios para nos transportar totalmente para suas histórias. Aqui, nada disso é diferente. Mais do que isso, em Alien: Romulus o diretor e roteirista constata de vez sua admirável capacidade de arquitetar protagonistas femininas fortes e convincentes, que carregam nosso interesse do início ao fim.

Rain é simplesmente uma das maiores virtudes da obra. Parte disso se deve ao roteiro, que por sinal constrói uma linda e íntegra relação entre ela e seu irmão sintético Andy, e a outra parte se deve à formidável interpretação de Cailee Spaeny, indicada ao Globo de Ouro por "Priscilla" (2023). Concebida com todo o extremo carinho por Alvarez, Sayagues e Spaeny, a personagem transmite credibilidade em suas tomadas de decisão e na forma como sugere soluções perspicazes para os problemas enfrentados pela equipe, enquanto também não esconde seus receios e incertezas, fazendo de Rain uma heroína completa e facilmente identificável aos olhos do espectador. Andy é outro personagem que também conquista o público desde os primeiros momentos, com sua obsessão por trocadilhos enfadonhos e seu afeto por Rain, além de representar aqui o maior arco de personagem do filme, maior até que da própria Rain. O ator David Jonsson cumpre muito bem com esse papel, tanto em sua vertente mais sensível, quanto nos momentos em que se precisa se mostrar um sábio guia para a equipe.


Ainda que o longa traga tudo aquilo que esperamos ver e um pouco mais, há muito a se comentar sobre o novo filme da franquia que não o belo trabalho envolvendo a caracterização dos xenomorfos com efeitos práticos, ou mesmo a viciante adrenalina que corre junto com os personagens pelos corredores da nave abandonada. Embora estejamos falando de um filme de terror espacial sobre criaturas alienígenas e todo o "desconhecido" que envolve esses temas, o que há de mais interessante aqui, curiosamente, é justamente o fator humano (aquilo que é, ou deveria ser, o mais próximo de nós). E é neste tema que o roteiro e a direção se debruçam para esmiuçar, nos provocar reflexões e até nos emocionar. Este foco em o que nos faz humanos, sejam estes imperfeitos e feitos de carne humana ou não, torna toda a experiência muito mais rica. O roteiro explora com sabedoria este tema, flertando muitas vezes até com alguns clichês do gênero, mas sabendo como inová-lo diante do horror vivido pelos personagens. Desde o instinto de se rebelar contra o sistema para buscar uma condição de vida digna, até o simples fato de se importarem uns com os outros acima de tudo, mas não tanto com os androides (estes de certa forma mais humanos do que muitos). Há diversos exercícios de roteiro fascinantes a respeito do conceito de humanidade existente em cada um dos personagens, e também toda a hipocrisia implícita em suas ações. Nesses momentos, a narrativa não está preocupada em apontar dedos ou vilanizar qualquer um dos membros da equipe, e sim humanizá-los com defeitos e qualidades, diante da realidade vivida por cada um.


É preciso enfatizar o trabalho aflitivo e quase perturbador realizado pelo experiente compositor Benjamin Wallfisch, que aqui faz questão de reverenciar a trilha musical do clássico de 1979, mas sem se tornar refém dela, trazendo um interessante tom de horror e espanto por trás do inexplorado. As faixas apreensivas nos causam desconforto e nos deixam na ponta da cadeira, ao mesmo tempo em que as faixas mais calmas e emocionais nos impedem de desviar os olhos (e os ouvidos) sequer por um segundo, nos mantendo completamente imersos diante do que vemos e ouvimos. Fede Alvarez definitivamente coleciona mais um grande acerto para sua respeitável carreira, além de mais uma sequência bem sucedida de um clássico de horror, visto que sua estreia na direção de um longa também se tratou de uma, há onze anos atrás. Só podemos nos manter ansiosos para conferir futuros trabalhos deste estimado diretor e roteirista que vem nos oferecendo ótimas surpresas, e que ficara sem lançar um novo longa de sua autoria por seis anos. Resta-nos esperar, para o nosso bem, que o próximo filme de Alvarez não demore tanto tempo para ser lançado. Tecnicamente impecável, do interessantíssimo jogo de luzes espaciais da fotografia até a precisa e inquietante montagem das cenas, Alien: Romulus se faz um dos melhores lançamentos de 2024, e facilmente um dos mais completos e atmosféricos filmes de horror espacial dos últimos anos. Uma ótima pedida aos fãs de ficção científica que há tempos não sentiam medo e tensão diante das telonas. Que seja este o sopro de vitalidade que a famosa franquia precisava desde o lançamento do excelente jogo eletrônico "Alien: Isolation" (2014).



NOTA DO CRÍTICO: ★★★★☆ Título Original: Alien: Romulus Data de Lançamento: 15/08/2024 (Brasil) Direção: Fede Alvarez Distribuição: Walt Disney Studios Elenco: Cailee Spaeny como Rain

Isabela Merced como Kay

David Jonsson como Andy

Archie Renaux como Tyler

Spike Fearn como Bjorn

Aileen Wu como Navarro

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